sexta-feira, 17 de junho de 2011

Maria Gadú - Crítica, Joca Souza Leão

Enfim, moderno


Não é porque não gosto da “música” Minha mulher não deixa não que eu não sou moderno. Sou moderno, sim. Moderno paca! Reginho, o cara que “compôs” e “canta” isso aí deve ter uns 40; coroa, portanto, perto da cantora e compositora da qual sou fã, uma menina de 24. Então, antigo é quem gosta de Reginho. E não eu. Aliás, fã é pouco, dessa menina eu sou mesmo é macaco de auditório, como se dizia na época de Emilinha Borba e Marlene (que não são do meu tempo, diga-se).


Eu nunca a tinha visto. Nem ouvido falar.  Tava zapeando a tevê e dei com ela cantando.  Amor à primeira vista. Uma menina de óculos, sozinha no meio do palco, cara de menino treloso, cabelo curtinho e arrepiado, tocando um violão despretensioso e cantando como quem não quer nada. Mas querendo tudo. “Ser capitã desse mundo / poder rodar sem fronteiras / Viver um ano em segundos / Não achar sonho besteira.” Gamei na hora.


Fui direto pra internet saber quem era e ouvir outras músicas. Tudo que ouvi era original. Mas sem afetação. Era novo. Mas sem ser novidadeiro. Simples. Mas sem ser simplório. Música brasileira, brasileiríssima. Letra e música. Mas com um timbre que é dela, só dela. No dia seguinte, comprei o CD: Maria Gadú. Som Livre, gravado em 2009. E eu perdendo tempo. Pra tirar o atraso, já vim ouvindo no carro.


As músicas são dela e de amigos, todos com cara de menino: André Carvalho, Gugu Peixoto e Luis Kiari. Alguns versos bateram e ficaram na memória logo de prima, chiclete de ouvido. Na Linda Rosa: “Homem feliz, mulher carente / A linda rosa perdeu pro cravo.” Em Tudo diferente: “Todos caminhos trilham pra gente se ver / Todas as trilhas caminham pra gente se achar, viu?”


Não imagino ninguém dizendo a Maria Gadú o que ela deve falar ou não falar, vestir ou usar. Imagine? Com onze anos, sem consultar nem avisar ninguém, resolveu trocar de nome. Era Mayra Corrêa. Começou a assinar nas provas da escola: Maria Ayagadoux (em homenagem a um músico francês, amigo da família). Daí pra Gadú foi um pulo. Portanto, deve ser assim. Ela entra numa ótica e diz pra vendedora: “Achei aquele óculos maneiro. Vou levar!” Na cabeleireira, “corte assim, ó, e deixe aqui compridinho e arrepiado”. E fala o que lhe dá na telha. “Ninguém chega em casa falando ‘mãe, sou hetero’. Então, por que tem que chegar e dizer ‘mãe, sou gay’?”


Nelson Rodrigues dizia que toda unanimidade é burra porque Maria Gadú ainda não tinha pintando no pedaço. Bendita unanimidade! De clássico a sertanejo, passando por forrozeiro, funkeiro, sambista, pagodeiro e roqueiro, não tem pra ninguém. Só dá Maria Gadú.


Agora (já tem uns meses), lota plateias e arrasa quarteirões. Premiada e aplaudida. Até pelos evangélicos, podes crer! Outro dia, sintonizei sem querer uma emissora gospel no carro. E tava tocando Dona Cila. Dona Cila era a vó de Maria Gadú. E ela fez a música quando a vó morreu. “Me mostre um caminho agora / Um jeito de estar sem você / O apego não quer ir embora / Diaxo, ele tem que querer. / (...) Ó meu pai do céu, limpe tudo aí / Vai chegar a rainha / Precisando dormir / Quando ela chegar / Tu me faça um favor / Dê um banto, que ela me benze aonde eu for.”


Mudou a modernidade ou mudei eu? Nós dois mudamos com Maria Gadú.


Até que fim, sou moderno! De novo.  (Escrito por Joca Souza Leão - 06/06/11)

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